quarta-feira, 25 de maio de 2011

Avaliação docente/Objectivos infividuais

Outra das medidas legislativas que mais polémica gerou foi a implementação do Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro, que veio regulamentar o Estatuto da Carreira Docente no que se refere ao sistema de avaliação de desempenho do pessoal docente, e que veio simultaneamente estabelecer também as normas relativas ao regime transitório para a sua aplicação no ano escolar de 2007/2008.
Durante esse ano escolar, as escolas deveriam desenvolver as acções consideradas necessárias à plena aplicação do sistema de avaliação de desempenho, nomeadamente através da alteração dos respectivos projectos educativos para a fixação de objectivos e metas, da fixação dos indicadores de medida e do estabelecimento do calendário anual de desenvolvimento do processo de avaliação.

Foi a confusão total nas escolas portuguesas! Ninguém se entendia! De escola para escola e mesmo dentro de cada uma as interpretações eram diferentes bem como a sua implementação. As reuniões para acertar critérios sucediam-se a um ritmo alucinante, a tensão aumentava, surgiram os primeiros desentendimentos e conflitos entre colegas que sempre se tinham entendido bem e que tinham, ao longo dos tempos, trabalhado em conjunto em actividades curriculares e extracurriculares, sempre em prol dos alunos.
As diferenças facilmente se transformaram em inutilidade burocrática e daí a serem usados como arma de arremesso bastou um passo! Por outo lado deixou de haver tempo para os alunos. A preparação das aulas e a avaliação dos alunos deixou de ser a primeira prioridade dos professores.
No meio de toda esta confusão surgiu a obrigatoriedade de entrega dos objectivos individuais. E aí surge o caos. Em quase todas as escolas fizeram-se reuniões gerais de professores para se decidir se se apresentavam ou não os objectivos individuais. Na minha também e decidiu-se por unanimidade, em reunião geral que terminou às 21 horas, que ninguém entregava os objectivos. No entanto, às 8h 30m da manhã seguinte, portanto literalmente da noite para o dia, veio a verificar-se que grande parte dos professores que tinham aprovado a moção de não entrega dos objectivos, e mesmo alguns dos que tinham apresentado essa proposta tinham mudado de ideias e já dizem que iam entregar, ou melhor, tinham que entregar! Porquê esta mudança? O medo! É verdade, o medo de retaliações.
Eu reconhecia que a definição inicial de objectivos individuais em processos avaliativos é teoricamente um benefício pois permite rentabilizar as acções individuais num determinado período, em função de metas previamente estabelecidas, enquanto garante um maior empenho do avaliado no seu próprio desenvolvimento e simultaneamente o defendem de possíveis arbitrariedades no final do percurso. 
No entanto também sabia que esses objectivos devem ser negociados com os avaliadores e que, embora prevaleça a vontade destes últimos, não deixa o avaliado de conhecer “as linhas com que se cose” na sua actividade futura.
Ora, acontece que esta avaliação não foi previamente negociada pois o período de avaliação começou em Setembro de 2007, portanto antes da saída Decreto Regulamentar n.º 2, que saiu em 10 de Janeiro de 2008.
Para mim não fazia sentido nenhum a exigência de entrega de objectivos quando já estavam decorridos ¾ do tempo a que respeitavam.
Perante esta revolução nas escolas a Ministra da educação e um dos seus Secretários de Estado multiplicavam as suas intervenções nos órgãos de comunicação social afirmando que “sem objectivos não há avaliação”.
Muitos professores cederam a esta chantagem com receio de virem a ser penalizados e consequentemente não progredirem na carreira. Acabaram por entregar os objectivos, apesar de não concordarem com isso e, muitos deles, fizeram-no com muita mágoa e lágrimas nos olhos.
Convicto de que a definição de objectivos era totalmente vazia de sentido e não passava de um mecanismo burocrático e um instrumento de demonstração de poder e arma de retaliação não cedi e, na data definida para tal, não entreguei os objectivos com a seguinte fundamentação que dirigi à Direcção da minha escola:
  • Decidi, em consciência e com sentido de responsabilidade, não entregar os Objectivos Individuais solicitados no âmbito da actual avaliação docente; 
  • Fi-lo em coerência com os princípios que tenho publicamente assumido e em conformidade com as decisões tomadas anteriormente em reuniões de escola;
  •  Fi-lo, também, porque - para mim - seria uma opção sem princípios, significando aceitar um modelo que passei dois anos a rejeitar, participando em duas manifestações e em duas greves; 
  • Não cedi ao receio que foi manifestado por muitos colegas, não tanto pelo que está escrito na legislação, mas de hipóteses, mais ou menos mirabolantes, que se foram aventando; 
  • De facto, e ao contrário de outros modelos da Administração Pública, em que os objectivos são definidos pelo superior hierárquico, o nosso admite uma proposta prévia por parte do professor (é um direito!) embora sujeita a alterações por parte do superior/avaliador;
  •  Ao abdicar deste direito, não posso ser penalizado nem ficar afastado do meu dever de me autoavaliar e remeto para o Presidente do Conselho Executivo da minha escola a responsabilidade da definição dos objectivos, já que não apresentei proposta prévia; 
  • Ou seja, considero que nunca haverá um vazio no que respeita à existência dos Objectivos Individuais, razão por que também não surge como obrigatória a sua fixação pelo próprio, nem qualquer penalização pela sua não apresentação; 
  • Considero ainda que só no momento da entrega da ficha de auto avaliação e só aí, terei a obrigação de explicitar os objectivos para reflectir sobre o grau de consecução; 
  • Saliento ainda que o Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro (art.11º, n.º 3), estabelece a auto-avaliação como único procedimento obrigatório, no âmbito deste processo. Por seu lado, o artigo 15º, que define o respectivo faseamento, consagra a auto-avaliação como a primeira das etapas do processo, a ser realizada no final do ano lectivo ou no início do seguinte;  
No seguimento do exposto, reitero a decisão de não entregar os Objectivos Individuais solicitados, pelas razões enunciadas, mas reafirmo o direito a ser avaliado, conforme o definido no Decreto Regulamentar 2/2008, de 10 de Janeiro (artigo 11º, n.os 1 e 2), porque sempre cumpri, cumpro e cumprirei com os meus deveres profissionais, em função dos objectivos explicitados nos documentos de referência da Escola - Projecto Educativo de Escola, Projectos Curriculares de Turma, Plano Anual de Actividades e Regulamento Interno.
Valadares, 30 de Janeiro de 2009

domingo, 15 de maio de 2011

Início de 2008. Um duro revés no meu trabalho ou … o fim do sonho

Reuniram-se em Salamanca de 7 a 10 de Junho de 1994, mais de 300 participantes, em representação de 92 governos e 25 organizações internacionais “afim de se promover o objectivo da Educação para Todos, examinando as mudanças fundamentais de política necessárias para desenvolver a abordagem da educação inclusiva, nomeadamente, capacitando as escolas para atender todas as crianças, sobretudo as que têm necessidades educativas especiais” MAYOR (1994) e… proclamaram a Declaração de Salamanca.
Esta Declaração “reenvia à ideia segundo a qual mais do que integrar no ensino regular crianças que dele estariam excluídas, trata-se de a escola incluir desde o início todas as crianças em idade escolar, quaisquer que sejam as suas características físicas, sociais, linguísticas ou outras, e de aí as manter evitando excluí-las e procurando criar oportunidades de aprendizagem bem sucedida para todas, graças à diferenciação de estratégias que se impuser”. 
Portugal foi um dos países presentes.
Foi uma adesão natural, tendo em consideração que desde 1991, na sequência e em articulação com a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86), a legislação portuguesa já apresentava um cunho muito positivo e progressista, ao definir condições em que, na escola, os alunos com necessidades educativas especiais tinham acesso à Educação Especial, estabelecendo, ainda, formas de organização da escola, nomeadamente no que concerne à constituição de turmas, à existência de recursos ou à eliminação de barreiras de diversa natureza.
De facto, o decreto-lei 319/91, de 23 de Agosto, conjuntamente com essa legislação subsequente, constituíram um factor importante na evolução da perspectiva da integração escolar e, muito embora não solucionasse muitos dos problemas com que esta mesma integração se debatia, apresentava alguns aspectos inovadores:
-  a maior responsabilização da escola regular pelos problemas dos alunos com deficiência ou com dificuldades de aprendizagem;
- um mais explícito reconhecimento do papel dos pais na orientação educativa dos seus filhos;
- a substituição do rótulo dado a criança, baseado em decisões do foro médico, pelo conceito de alunos com necessidades educativas especiais, baseado em critérios pedagógicos;
- a consagração, de um conjunto de medidas cuja aplicação deve ser ponderada de acordo com o princípio de que a educação dos alunos com necessidades educativas especiais deve processar-se no meio menos restritivo possível, pelo que cada uma das medidas só deve ser adoptada quando se revele indispensável para atingir os objectivos educacionais definidos;
- a consagração da individualização da intervenção educativa através da elaboração do Plano Educativo Individual e do Programa Educativo;
- a garantia da possibilidade de acesso de alunos com atraso intelectual, não susceptíveis de acompanhar o currículo escolar normal, inserindo nas medidas de regime educativo especial, a medida ensino especial, a qual dá a possibilidade de criar currículos escolares próprios e/ou currículos alternativos.
Este modelo vigorou e manteve-se em vigor até Janeiro de 2008.
Nesse ano, contra a opinião generalizada da comunidade educativa, bem como de entidades da mais elevada relevância e idoneidade, como são os casos da Sociedade Portuguesa de Pedopsiquiatria, Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (FEEI) ou a Associação Portuguesa de Deficientes (APD), o governo revogou o quadro legal em vigor e impôs, em sua substituição, o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, que, ao adoptar a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde) como instrumento (único) para avaliação de crianças e jovens com direito a apoio no âmbito da Educação Especial, desferindo uma forte machadada no conceito de Escola Inclusiva, tendo em conta a sua nova interpretação legal e aplicação no terreno, pois excluiu todos os que não apresentavam dificuldades provenientes de situações clinicamente comprovadas ou deficiências de carácter permanente ou prolongado.
Só do ano lectivo 2007/08 para o 2008/09, e os números são do ME, 15.986 alunos foram afastados, nas escolas públicas, da Educação Especial.
De acordo com os dados revelados em 7 de Junho de 2008, pelo então director da DGIDC/ME (Direcção Geral da Inovação e do Desenvolvimento Curricular), no Encontro Temático sobre Educação Especial, o número de alunos de escolas públicas apoiados pela Educação Especial, em 2007/08, era de 49.877. 
No ano seguinte, de acordo com o balanço inscrito no documento “Educação Inclusiva – da retórica à prática”, divulgado pela mesma DGIDC/ME, o número de alunos de escolas públicas apoiados pela Educação Especial, em 2008/09, era apenas de 33.891. 
Esta quebra era considerada, não só natural, como indispensável, pois de acordo com os dados disponibilizados, aquele número de alunos correspondia, respectivamente, em 2007/08 e 2008/09, a 3,9% e 2,85% da população escolar… uma taxa extremamente elevada, uma vez que os critérios da CIF, em absoluto contraste com a realidade, apontavam para que, apenas 1,8% dessa população devesse ser abrangida e merecer o acesso à Educação Especial, ou seja, não mais do que 23.000 alunos.
É a esse trabalho sujo, de afastamento de alunos da Educação Especial que o governo do então Primeiro-ministro Engenheiro Sócrates e da Ministra da educação Lurdes Rodrigues, que se deve a minha revolta e desilusão.
Para mim, que fiz toda a minha formação na área da Educação Especial imbuído num espírito inclusivo ter que, com a minha acção e o meu trabalho, por em prática ideias e conceitos completamente contrários foi demasiado frustrante e doloroso. Sentia-me como se devem sentir aqueles presos que, como castigo, são obrigados a encher o balde de água no rio, a subir a montanha, despejar o balde, voltar a encher e voltar a despejar. Sem qualquer préstimo ou utilidade.
A partir dessa época, foi crescendo em mim um sentimento de desonestidade pedagógica por ser obrigado a usar um instrumento que não tinha validade nenhuma. Pelo contrário, eu temia pelas consequências da sua implementação. Este novo modelo de organização da Educação Especial, apesar de se afirmar inclusivo, revelou-se um instrumento burocrático, subjectivo e perfeitamente inútil mas que colocou na prática uma lógica de exclusão social, escolar e educativa.
E passou a excluir, porque:
- restringia os apoios especializados aos alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente;
- porque, ao confundir “necessidade educativa especial” com “deficiência”, criou, no sistema, uma lógica de segregação e um enorme retrocesso educativo;
porque preconizava uma Educação Especial em ambientes segregados (as unidades de apoio especializado e de ensino estruturado) ou afastados da comunidade dos alunos (escolas de referência para a educação de alunos cegos e com baixa visão ou para a educação bilingue dos alunos surdos).