domingo, 15 de maio de 2011

Início de 2008. Um duro revés no meu trabalho ou … o fim do sonho

Reuniram-se em Salamanca de 7 a 10 de Junho de 1994, mais de 300 participantes, em representação de 92 governos e 25 organizações internacionais “afim de se promover o objectivo da Educação para Todos, examinando as mudanças fundamentais de política necessárias para desenvolver a abordagem da educação inclusiva, nomeadamente, capacitando as escolas para atender todas as crianças, sobretudo as que têm necessidades educativas especiais” MAYOR (1994) e… proclamaram a Declaração de Salamanca.
Esta Declaração “reenvia à ideia segundo a qual mais do que integrar no ensino regular crianças que dele estariam excluídas, trata-se de a escola incluir desde o início todas as crianças em idade escolar, quaisquer que sejam as suas características físicas, sociais, linguísticas ou outras, e de aí as manter evitando excluí-las e procurando criar oportunidades de aprendizagem bem sucedida para todas, graças à diferenciação de estratégias que se impuser”. 
Portugal foi um dos países presentes.
Foi uma adesão natural, tendo em consideração que desde 1991, na sequência e em articulação com a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86), a legislação portuguesa já apresentava um cunho muito positivo e progressista, ao definir condições em que, na escola, os alunos com necessidades educativas especiais tinham acesso à Educação Especial, estabelecendo, ainda, formas de organização da escola, nomeadamente no que concerne à constituição de turmas, à existência de recursos ou à eliminação de barreiras de diversa natureza.
De facto, o decreto-lei 319/91, de 23 de Agosto, conjuntamente com essa legislação subsequente, constituíram um factor importante na evolução da perspectiva da integração escolar e, muito embora não solucionasse muitos dos problemas com que esta mesma integração se debatia, apresentava alguns aspectos inovadores:
-  a maior responsabilização da escola regular pelos problemas dos alunos com deficiência ou com dificuldades de aprendizagem;
- um mais explícito reconhecimento do papel dos pais na orientação educativa dos seus filhos;
- a substituição do rótulo dado a criança, baseado em decisões do foro médico, pelo conceito de alunos com necessidades educativas especiais, baseado em critérios pedagógicos;
- a consagração, de um conjunto de medidas cuja aplicação deve ser ponderada de acordo com o princípio de que a educação dos alunos com necessidades educativas especiais deve processar-se no meio menos restritivo possível, pelo que cada uma das medidas só deve ser adoptada quando se revele indispensável para atingir os objectivos educacionais definidos;
- a consagração da individualização da intervenção educativa através da elaboração do Plano Educativo Individual e do Programa Educativo;
- a garantia da possibilidade de acesso de alunos com atraso intelectual, não susceptíveis de acompanhar o currículo escolar normal, inserindo nas medidas de regime educativo especial, a medida ensino especial, a qual dá a possibilidade de criar currículos escolares próprios e/ou currículos alternativos.
Este modelo vigorou e manteve-se em vigor até Janeiro de 2008.
Nesse ano, contra a opinião generalizada da comunidade educativa, bem como de entidades da mais elevada relevância e idoneidade, como são os casos da Sociedade Portuguesa de Pedopsiquiatria, Fórum de Estudos de Educação Inclusiva (FEEI) ou a Associação Portuguesa de Deficientes (APD), o governo revogou o quadro legal em vigor e impôs, em sua substituição, o Decreto-Lei n.º 3/2008, de 7 de Janeiro, que, ao adoptar a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde) como instrumento (único) para avaliação de crianças e jovens com direito a apoio no âmbito da Educação Especial, desferindo uma forte machadada no conceito de Escola Inclusiva, tendo em conta a sua nova interpretação legal e aplicação no terreno, pois excluiu todos os que não apresentavam dificuldades provenientes de situações clinicamente comprovadas ou deficiências de carácter permanente ou prolongado.
Só do ano lectivo 2007/08 para o 2008/09, e os números são do ME, 15.986 alunos foram afastados, nas escolas públicas, da Educação Especial.
De acordo com os dados revelados em 7 de Junho de 2008, pelo então director da DGIDC/ME (Direcção Geral da Inovação e do Desenvolvimento Curricular), no Encontro Temático sobre Educação Especial, o número de alunos de escolas públicas apoiados pela Educação Especial, em 2007/08, era de 49.877. 
No ano seguinte, de acordo com o balanço inscrito no documento “Educação Inclusiva – da retórica à prática”, divulgado pela mesma DGIDC/ME, o número de alunos de escolas públicas apoiados pela Educação Especial, em 2008/09, era apenas de 33.891. 
Esta quebra era considerada, não só natural, como indispensável, pois de acordo com os dados disponibilizados, aquele número de alunos correspondia, respectivamente, em 2007/08 e 2008/09, a 3,9% e 2,85% da população escolar… uma taxa extremamente elevada, uma vez que os critérios da CIF, em absoluto contraste com a realidade, apontavam para que, apenas 1,8% dessa população devesse ser abrangida e merecer o acesso à Educação Especial, ou seja, não mais do que 23.000 alunos.
É a esse trabalho sujo, de afastamento de alunos da Educação Especial que o governo do então Primeiro-ministro Engenheiro Sócrates e da Ministra da educação Lurdes Rodrigues, que se deve a minha revolta e desilusão.
Para mim, que fiz toda a minha formação na área da Educação Especial imbuído num espírito inclusivo ter que, com a minha acção e o meu trabalho, por em prática ideias e conceitos completamente contrários foi demasiado frustrante e doloroso. Sentia-me como se devem sentir aqueles presos que, como castigo, são obrigados a encher o balde de água no rio, a subir a montanha, despejar o balde, voltar a encher e voltar a despejar. Sem qualquer préstimo ou utilidade.
A partir dessa época, foi crescendo em mim um sentimento de desonestidade pedagógica por ser obrigado a usar um instrumento que não tinha validade nenhuma. Pelo contrário, eu temia pelas consequências da sua implementação. Este novo modelo de organização da Educação Especial, apesar de se afirmar inclusivo, revelou-se um instrumento burocrático, subjectivo e perfeitamente inútil mas que colocou na prática uma lógica de exclusão social, escolar e educativa.
E passou a excluir, porque:
- restringia os apoios especializados aos alunos com necessidades educativas especiais de carácter permanente;
- porque, ao confundir “necessidade educativa especial” com “deficiência”, criou, no sistema, uma lógica de segregação e um enorme retrocesso educativo;
porque preconizava uma Educação Especial em ambientes segregados (as unidades de apoio especializado e de ensino estruturado) ou afastados da comunidade dos alunos (escolas de referência para a educação de alunos cegos e com baixa visão ou para a educação bilingue dos alunos surdos).

Sem comentários:

Enviar um comentário