Chegou a altura de
reflectir mais um pouco e pensar melhor em todos os motivos que me levaram a
desmobilizar, a desinvestir e a relativizar a importância do trabalho. Pretendo
fazer esta introspecção não como meio para reforçar toda esta desmotivação
profissional mas sim como elemento que permita reflectir qual o caminho que
quero e devo traçar e percorrer.
Será sempre uma
decisão pessoal e devo fundamentá-la interiormente para que não caia em
contradições e incongruências que posteriormente me poderão levar ao
arrependimento.
O meu estado de
espírito, no início do ano lectivo 2010/2011, era permanentemente assaltado
pelos seguintes pensamentos.
Durante décadas tive
um acordo com o Estado, representado pelo Ministério da Educação, assinado de
boa-fé por ambas as partes, que garantia a minha aposentação ao fim de trinta e
seis anos de serviço, independente da idade. Posteriormente, e de forma
unilateral, esse mesmo Estado alterou esse contrato permitindo a minha
aposentação apenas aos sessenta anos de idade, desde que tivesse os tais 36
anos de serviço. Mais recentemente, o Governo de Sócrates, ainda dentro da
febre legislativa que o assolou, alterou-o de novo e mais uma vez sem a minha assinatura
e muito menos o meu consentimento, para os 65 anos de idade.
Sinto-me enganado
pelo próprio Estado, aquele em quem eu sempre confiei e defendi. Estou portanto
perante alguém que é batoteiro, porque não cumpre os contratos que assina e,
pelo contrário, impõe novas regras a quem está, como eu, no final de carreira,
sem qualquer respeito pelos direitos e compromissos assumidos.
Consequentemente, é
para mim demasiado penoso continuar por muito mais tempo a trabalhar e …
impossível continuar a descontar para além dos tais 36 anos de serviço.
Em tempo próximo e
que considere o mais oportuno ir-me-ei embora mesmo sabendo que levarei com uma
forte penalização no meu vencimento. Provavelmente irei perder cerca de 1/3
da minha reforma. É o preço que terei de pagar pela minha liberdade e
para poder dizer sempre o que sinto e penso.
Apesar desta reflexão
ser individual e não ser influenciada pelos outros, não posso deixar de
constatar que havia, nessa época e em todas as
escolas do país, professores a pedir a aposentação antecipada.
E por
motivos iguais ou semelhantes aos meus.
Nos
grupos de recrutamento de Educação Tecnológica, a debandada tem sido geral,
havendo já enormes dificuldades em conseguir substitutos nas cíclicas. O mesmo
acontece com o grupo de recrutamento de Contabilidade e Economia em que
centenas de professores optaram por reformas antecipadas, com penalizações de
40% porque preferem ir trabalhar como profissionais liberais. Muitos outros
professores de todos os grupos disciplinares vão embora porque não aguentam
mais a humilhação de serem avaliados por colegas mais novos e com menos
habilitações académicas. Não aguentam a quantidade de papelada, reuniões e
burocracia. Não conseguem dispor de tempo para ensinar. Fogem porque não aceitam
o novo paradigma de escola e professor e não aceitam ser prestadores de
cuidados sociais e funcionários administrativos. Só não sai quem não pode. Ou
porque não consegue suportar os cortes no vencimento ou porque não tem a idade
mínima exigida.
Com
governos como o de Sócrates e Lurdes Rodrigues, a escola deixou de se preocupar
com a educação e o ensino. Preocupou-se muito mais em retirar autoridade aos
professores, descredibilizando-os perante a opinião pública com o objectivo de
lhes retirar poder reivindicativo e, deste modo, poderem, à vontade e sem
grandes lutas políticas, retirar-lhes direitos adquiridos e consagrados na
própria Constituição da República.
O exemplo deveria vir de cima.
Com maus exemplos destes a escola transformou-se para pior.
A principal missão dos
professores era ensinar. Actualmente passam mais tempo a preencher papeis, a
fazer relatórios, a frequentar acções de formação, a pensar na avaliação, a
reunir para transmitir informações sobre burocracias, a ver emails e enviar
emails para os aolegas sobre burocracias que têm de ser feitas do que a
leccionar, a preparar as suas actividades de aulas e de escola.
O resultado está à vista: os
professores despojados, roubados no bolso e na dignidade fogem e os jovens
deixam a escola muito mal preparados em matéria de civismo e respeito pelas
leis, normas e relações de cortesia. Depois de retiraram ao professor o seu
papel principal de ensinar, transformando-o em funcionário administrativo e
ama-seca de crianças os alunos tornaram-se insolentes e malcomportados.
É
o sistema que temos e quem realmente gosta da profissão e é competente ou chega
ao limite da sua sanidade mental na tentativa de superar todas estas
dificuldades, ou falha, ou desiste …
A
escola deixou de formar para a aquisição dos bons hábitos.
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