quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Libertando-me deste pesadelo – 15 de Setembro de 2010

                          " o tempo não volta a trás para mudar o presente, mas no  presente pode-se começar a construir um futuro melhor".  
Este pensamento traduz muito do que eu sentia nesse tempo. Por essa altura, e mais uma vez, tive de tomar grandes decisões. Decisões de ruptura com a situação profissional que me foi criada, sobretudo pela conjuntura da política educativa deste país e do governo de então.
Por muito que me tenha custado, teve que ser, pois uma das máximas da minha vida é e sempre foi: “Não serás criminoso; não serás vítima; acima de tudo, não serás um espectador passivo”. 
Foi um tempo não apenas de crise económica e social – foi de aflição. Estava farto duma dor crescente à medida que via jovens colegas desperdiçarem as suas legítimas esperanças de uma vida condigna e outros mais antigos pedindo a antecipação da sua reforma, do género de quem pode, foge. Fugindo para a liberdade. Deixando para trás a loucura e o inferno em que se transformaram as escolas.
Paralelamente, comecei a sentir na alma algumas das consequências de opções erradas assumidas ultimamente talvez porque julguei, cedo demais, que o meu prazo de validade tinha expirado. Os primeiros sinais já tinham alguns anos. Desde então, baseado em pressupostos legais que entretanto foram radicalmente alterados nomeadamente a idade e o tempo de serviço previstos para a aposentação e as alterações profundas no horário e no tipo de apoio a prestar aos alunos com necessidades educativas especiais, fui gradualmente abandonando cargos e funções que, quer por antiguidade, quer por graduação profissional deveria ter assumido e desempenhado. Foi aí que começou o meu auto afastamento do “campo de batalha” ao mesmo tempo que vi a educação especial da minha escola (agrupamento) ganhar uma dimensão nula ou igual a zero.
Talvez não devesse ter cedido nem ter feito tantas concessões mas não foi assim de repente que começou em mim o desejo de mudar, recomeçar e ter outros rumos, fazer a minha vida  de facto voltar a ter cores, sons e sabores, pois sentia dentro de mim que a vida estava insípida e que levantar-me a cada manhã era por demais desanimador e voluntariamente comecei as mudanças na minha vida. Senti em mim que era hora de evoluir num outro sentido e procurar ter uma vida mais rica para lá da escola, alargar os horizontes e procurar que a minha história de vida se tornasse mais rica, mais diversificada e mais feliz.
Apesar de tudo isso foi difícil, muito difícil, tomar a decisão que tomei, pois sentia-me dividido e encurralado entre a minha parte emocional a “ditar-me” uma decisão e a minha parte racional a “ditar-me” outra. No meio desta minha indecisão alguém me disse: “nos tempos que correm ser professor não é uma profissão é uma doença”! 
De facto, com as alterações profundas e radicais efectuadas no ensino em geral e na educação especial em particular, senti como que uma agressão psicológica, sentimentos de angústia, de desilusão e de revolta que me levaram a ter que tomar uma atitude igualmente radical. Senti necessidade de sobreviver no meio desta batalha de sentimentos ambivalentes. Sempre fui solidário e trago em mim a vontade de ajudar, sempre agi com emoção procurando ter os pés assentes no chão. Direi que sendo afável e solidário também não sou submisso.
Chegou portanto a descrença, o desânimo, o dar-me conta que vivo num país de faz de conta em que a pior ministra da educação da nossa democracia foi vista nessa época como um génio; um primeiro-ministro que envergonhou Portugal com as suas mentiras e trapalhadas, qual maçã podre da política portuguesa, malfeitor do povo português, e o coveiro de Portugal em mais de 6 anos; uma Democracia de faz de conta, onde a cidadania era vista como uma brincadeira; uma profissão que deixou de o ser... em que o tempo para ensinar já não era o mesmo; em que os professores andavam sobrecarregados de trabalho e já não tinham o tempo, nem a serenidade, para o que é mais importante: as aulas e a disponibilidade para os alunos. Sentia-se também o medo. Sim, é verdade. O medo estava instalado. 
Sim, chegado a este ponto posso afirmar com todas as letras: estava desmotivado, frustrado, saturado, desconsiderado e farto de me sentir a mais numa escola de cujo léxico desapareceu, como do próprio Estatuto da Carreira Docente, palavras como ensinar e aprender. Que futuro é possível esperar de uma escola (e de um país) onde os professores se sentem a mais?   
Portanto, e porque tal como Mahatma Gandhi, também eu considero que "perderei a minha utilidade no dia em que abafar a voz da consciência em mim" e também em memória do meu passado profissional não pude assim aceitar o que me foi proposto (ou imposto) quase no início deste ano lectivo.
Nesta conformidade, recusei trabalhar numa outra escola para a qual nunca concorri e a cujo quadro nunca pertenci. Recusei ainda, e sobretudo, porque me obrigaria a trabalhar numa unidade de apoio especializado que sempre repudiei por considerar que este é um modelo de ensino demasiado estruturado e preconiza uma Educação Especial em ambiente físico segregado dos restantes alunos da escola e, portanto, em nada contribui, na minha opinião, para a inclusão social dos alunos portadores de deficiência. Não tinha, por isso, nada a ver comigo e com a forma como penso a Educação Especial. Desde que comecei a trabalhar com alunos especiais sempre defendi o incentivo da relação desses alunos com os outros (os ditos normais), permitindo uma riqueza interaccional e um melhor desenvolvimento, designadamente, através da mais completa e normal socialização existindo, simultaneamente, alguns ganhos para os outros alunos, por exemplo, a nível de maiores recursos educativos e do desenvolvimento de atitudes normativas.

Nesse dia 15 de Setembro de 2010, não aceitando aquelas condições que me foram impostas, tomei a decisão de recuar do "campo de batalha" mas ... sem me render ao "inimigo"
Resolvi, em conformidade com a minha consciência, aguardar estrategicamente o melhor momento para desferir o golpe final. Tal como alguém disse: Eu não venci todas as vezes que lutei. Mas perdi todas as vezes que deixei de lutar.     
Não me pus a chorar porque algo correu mal. Vim reflectir, tomar nota, e partir para outra... aproveitar a boa saúde física e mental, recordando as coisas boas do passado e a juventude mas sem nostalgias parvas, porque a juventude ela própria também esteve cheia de nostalgias e de problemas. 
Vim desfrutar a vida e gozar plenamente cada dia sem medo do ócio ou da solidão.
Vim fazer companhia à Amélia, minha mulher, companheira e amiga a quem devo muito daquilo que sou, ou fui, em termos profissionais. Para além do amor, da atenção, da compreensão e do incentivo manifestados ao longo de uma vida.
Juntos não teremos medo de ser felizes agora. Vamos continuar o nosso caminho juntos e sempre unidos, venha o que vier a reservar-nos o futuro. Porque este será sempre influenciado pela positiva vivência actual, que é preciso desfrutar e aproveitar. 
Vim desfrutar a vida porque depois de tantos anos de trabalho, de tantas preocupações, dos falhanços e sucessos acumulados e, sobretudo, dos filhos criados, sabe bem olhar para o mar Atlântico sem pensar em mais nada, assistir ao pôr-do-sol, seguir o voo das gaivotas, ou ler um livro confortavelmente instalado na esplanada de um bar de praia, enquanto se saboreia uma cerveja fresquinha.


E ... celebrar o sol em cada manhã e sorrir.

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