terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Carrazeda de Ansiães, 1988/1989

Quer vir tomar café?
Virei-me e olhei para o homem alto, forte e sorridente que me interrogava assim tão inesperadamente.
- Não se lembra de mim?
- Não! Confesso que não! Respondi embaraçado.
- Sou o Henrique Samorinha e fui seu aluno na Escola Secundária de Carrazeda de Ansiães.
- Pois! Isso já foi há tanto tempo e … ena … mudaste tanto!
- É verdade mas nunca me esqueci de si nem daquelas histórias que nos costumava contar nas aulas. Lembra-se daquela muito engraçada... a do frasco cheio?
Este encontro casual ocorrido recentemente numa cidade do litoral do País remeteu-me para o ano lectivo de 1988/89.
Após a profissionalização em serviço, concluída no ano lectivo anterior, concorri e fui colocado novamente em Carrazeda de Ansiães, mas agora na Escola Secundária, recentemente construída e inaugurada.
Foi apenas um ano lectivo mas gostei! Os alunos eram disciplinados e conseguimos estabelecer uma excelente relação.
Uma das minhas preocupações era, nessa altura e desde sempre, contribuir para a sua formação global orientando as aulas para a promoção de uma cidadania activa e para o seu desenvolvimento enquanto cidadãos participativos e críticos da sociedade, utilizando (sempre que possível) exemplos práticos do dia-a-dia para ilustrar as mensagens que queria passar e transmitir.
"Bem melhor do que ensinar o pouco que se vai sabendo, é abrir para a vastidão do que se desconhece."
Um dos exemplos que utilizava frequentemente para transmitir valores e atitudes correctas, era exactamente o do “frasco cheio”. Hoje em dia, pela disseminação da informação e do conhecimento através da internet, esta estória é bem capaz de ser conhecida mas a mim foi-me transmitida, muitos anos antes, por um professor que me serviu de exemplo e de modelo - o Engenheiro Dias Pereira.
Esse professor, numa das suas primeiras aulas, entrou na sala e sem dizer uma palavra pegou num grande frasco de vidro vazio previamente colocado na sua secretária e começou a enchê-lo com bolas de pingue-pongue.
De seguida, olhou-nos com os seus olhos muito azuis e penetrantes e perguntou-nos se o frasco estava cheio.
Todos respondemos que sim.
O professor pegou então em pequenos palitos e deitou-os para dentro do frasco ao mesmo tempo que o abanava com as duas mãos. Deste modo, os palitos foram preenchendo os espaços vazios entre as bolas de pingue-pongue.
O professor voltou a perguntar-nos se o frasco estava cheio e nós voltámos a responder que sim. De seguida o professor pegou numa caixa de areia e despejou-a dentro do frasco. Obviamente, a areia encheu todos os espaços vazios e o professor questionou novamente se o frasco estava cheio.
Nós respondíamos invariavelmente que sim.
O professor, continuando a sua experiência, adicionou duas chávenas de café ao conteúdo do frasco que preencheu todos os espaços vazios entre a areia.
Depois do espanto geral o professor disse muito solenemente:
- "Quero que entendam que este frasco representa a vida".
As bolas de pingue-pongue são as coisas realmente importantes: a família, a saúde, os amigos, a alegria e as coisas que verdadeiramente nos apaixonam! São coisas que, mesmo que perdêssemos tudo o resto, manteriam a nossa vida cheia.
Os palitos representam outros elementos importantes da nossa vida como o trabalho, a casa e o carro.
A areia é tudo o resto, são as pequenas coisas.
Se colocarmos primeiro a areia no frasco, não haverá espaço para os palitos nem para as bolas de pingue-pongue.
O mesmo acontece com a vida. Se gastarmos todo o nosso tempo e energia nas coisas pequenas, nunca teremos lugar para as coisas que realmente são importantes.
E dizia entusiasmado: prestem atenção ao que realmente importa. Estabeleçam as vossas prioridades e o resto é só areia.
Na aula em que eu reproduzia oralmente esta história e ao chegar a este ponto, julgo que este mesmo aluno, o Henrique, perguntou: “Então e o que representa o café?”
Eu sorri, recordando-me dessa mesma pergunta feita por um aluno ao Engenheiro Dias Pereira, e respondi, tal como ele:
- Ainda bem que me perguntas! Isso é só para vos mostrar que, por mais ocupada que a vossa vida possa parecer, há sempre lugar para tomar um café com um amigo!

Então vamos lá a esse café! Acabei por responder ao mesmo tempo que procurávamos uma mesa disponível na esplanada do bar de praia onde nos tínhamos encontrado.


Há que conceder aos professores a maior das liberdades no que respeita aos conteúdos
a ensinar, assim como aos métodos a utilizar. Pois é verdade que também para
estes o prazer na execução do seu trabalho pode ser aniquilado
pela força ou pela pressão exterior.

Albert Einstein

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