sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Mirandela e a Sociologia da Educação

No âmbito da formação teórica desenvolvida no primeiro ano da Formação em Serviço, na Escola Superior de Educação de Bragança, tive a oportunidade de colaborar na execução de um trabalho que, apesar de ser um trabalho de grupo, me deu grande prazer ou não seja eu neto de um emigrante (França – 1924/1944) e filho de uma emigrante de 2ª geração, nascida em Lille e refugiada em Portugal a partir da ocupação nazi, durante a 2ª Guerra Mundial.

Parece-me assim pertinente deixar aqui um pequeno testemunho deste trabalho a que demos o título de Situações Problemáticas Inerentes a Filhos de Emigrantes na Escola Secundária de Mirandela.

Foi efectuado em 1986 para a disciplina de Sociologia da Educação e assentou no pressuposto de que, a nosso ver, a emigração tinha, nessa época, causas socioeconómicas e políticas muito profundas e não era apenas o resultado de qualquer espírito de aventura ou sentido de descoberta específica dos portugueses.
A emigração era - isso sim - uma das consequências da falta de condições para viver na sua terra e que levava os emigrantes a procurarem outros países para trabalharem, embora a grande maioria deles continuasse ligado ao seu local de origem, ambicionando regressar um dia para sempre.
Entretanto, enquanto o regresso não acontecia, iam-se cortando as raízes, iam sendo atingidos por duras realidades que os levavam, muitas vezes, a perder as perspectivas, a esquecer a terra de onde partiram, a língua, a família e a cultura.
Sendo o Nordeste Transmontano a região que, com maior incidência, carregava este fenómeno social, decidimos fazer convergir a nossa atenção precisamente nos filhos desses homens e mulheres que, arrancados da sua terra, lutavam lá longe por melhores condições de vida. Esses filhos que, em princípio, estariam marcados por cicatrizes afectivas, sociais e tantas outras, resultado da sua condição, frequentavam as nossas escolas e, particularmente, a Escola Secundária de Mirandela.
De facto, foi partindo desta hipótese que definimos os objectivos do trabalho.
No fim, concluímos que os filhos dos nossos emigrantes deparavam, de facto, com situações problemáticas a vários níveis e que resultava, inevitavelmente, numa grande taxa de insucesso e abandono escolar.
Desde os problemas resultantes da nova situação económica de seus pais que, grande parte das vezes, na tentativa de uma compensação afectiva, lhes faziam dispor de dinheiro em excesso propício a esbanjamento, à aquisição de bens supérfluos e até prejudiciais ao desenvolvimento da sua personalidade que, tantas vezes, os conduzia ainda à prodigalidade, à droga, ao alcoolismo e a tantos outros vícios.
Aos problemas afectivos. E era talvez este o aspecto que cicatrizes mais profundas não deixavam de afectar, essencialmente àqueles a quem, em idades tão precoces, eram retirados aos pais e entregues aos cuidados de alguém que jamais os substituirá neste campo tão delicado que é a afectividade. Por outro lado, muitos deles eram super protegidos pelos avós que não os deixavam ter iniciativas além das da rotina diária com medo que algo lhes acontecesse, principalmente se eram meninas: não as deixavam participar em festas, não lhes permitiam frequentar actividades extra-escolares (excursões, bailes de finalistas, concursos, etc.). Ao contrário, avós havia altamente condescendentes que não contrariavam os meninos tomando atitudes de total permissividade.
Aos problemas sociais. Embora grande parte dos nossos alunos não considerasse ter situações problemáticas neste campo, aqueles que as apontavam, referiam essencialmente problemas de integração: melhores condições há no estrangeiro; menos empregos em Portugal mesmo quando portadores de habilitações; dificuldade na assistência médica; diferença de mentalidade (os estrangeiros eram considerados de mentalidade mais evoluída e aberta); falta de apoio na sua integração; falta de diálogo entre professores e alunos; inexistência de centros de interesse social; agricultura artesanal de um modo evidente nesta região do nordeste transmontano o que se tornava desmotivante e a indústria por aqui era praticamente inexistente.
Aos problemas de identidade. Estes eram problemas comuns a todos os jovens, mas que se colocavam de uma forma gritante aos filhos dos emigrantes. Com efeito, a construção da sua personalidade divide-se entre duas sociedades de normas e valores completamente diferentes, principalmente com aqueles que estudam aqui e cujos pais ainda se encontram no estrangeiro. Esta mudança cultural e histórica revelava-se demasiado traumatizante para a formação de identidade de alguns, de tal forma que lhes abala a consistência interior da sua hierarquia de expectativas.
Por sua vez, no estrangeiro, os nossos jovens sentiam-se inferiores em relação aos seus colegas naturais desses países, devido ao estatuto jurídico do emigrante que limitava, nessa época, os seus direitos cívicos nomeadamente a impossibilidade de ocuparem funções em certas profissões (função pública, por exemplo) e a problemas administrativos no que diz respeito à estadia e à nacionalidade.

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