Concordo com aqueles que dizem que a região do Douro é uma obra-prima da natureza e do esforço humano. Por sua vez o Vale do Douro é sobretudo rio, paisagem grandiosa e história de séculos.
Homens e mulheres desventraram o solo, remexeram o xisto, elevaram filas e filas de socalcos e vinhedos, para que dele nascesse o vinho generoso a que chamam do Porto. Por sua vez o Rei D. José, inspirado pelo Marquês de Pombal, Sebastião José de Carvalho e Melo, fez a sua parte criando por lei de 1756 a Região Demarcada do Douro, fazendo dela a mais antiga região demarcada do Mundo e que se estendia ao longo do rio Douro e seus afluentes, de Barqueiros até Barca D’Alva.
Enquanto fazia este percurso, tive ainda tempo de recordar a primeira viagem que por aqui fiz de comboio na companhia do meu tio Félix, quando tinha doze anos de idade e que me levava para a sua casa na cidade do Porto para passar uns dias de férias na companhia dos meus primos Celestino, Evandro e Acácio.
Já nessa altura tive oportunidade de apreciar toda essa beleza, bem como a beleza dos barcos Rabelo que navegavam no Rio Douro mesmo ao lado da linha do comboio e que transportavam as pipas com o saboroso néctar para os grandes armazéns de Vila Nova de Gaia.
Foi, de facto, uma experiência inesquecível. A beleza das arribas que se debruçam sobre o rio em incontáveis socalcos ou patamares, a harmonia das cores que se misturam nessa época do ano, com os diferentes tons de castanho da terra com as diferentes cores e tons das folhas que ainda restavam das videiras.
Foi, de facto, uma experiência inesquecível. A beleza das arribas que se debruçam sobre o rio em incontáveis socalcos ou patamares, a harmonia das cores que se misturam nessa época do ano, com os diferentes tons de castanho da terra com as diferentes cores e tons das folhas que ainda restavam das videiras.
Recordei também, e com alguma nostalgia, quando na minha infância e na minha aldeia natal - Pinhal do Douro - ouvia lá ao longe, o apito do comboio e o silvo inconfundível das locomotivas a vapor e, sobretudo, o barulho característico emitido pelas rodas de ferro ao rolarem nos carris e nos intervalos entre estes, que nós, miúdos de então, imitávamos cantando de forma cadenciada “pouca terra-pouco pão, pouca terra-pouco pão, pouca terra-pouco pão …”.
Quando cheguei a Ermesinde não pude deixar de ficar impressionado com a azáfama das vendedeiras da regueifa de Valongo e com os seus característicos pregões: “Quem quer regueifa?!”; “Quem compra em Ermesinde, volta a comprar outra vez!”; Quer uma ou duas, freguês?”, “Quem queeeer regueeeeifa?...”
Fiz o transbordo, após mais uma hora de espera, para a linha do Minho e para um comboio ainda mais velho, lento, desconfortável, com bancos de madeira e com algumas janelas avariadas e outras de vidros partidos e fui passando sucessivamente pelas estações ferroviárias de Famalicão, Guimarães, Trofa, Braga, Barcelos, Viana do Castelo, Valença e, finalmente, Monção.
Tive, assim, tempo e oportunidade para ler todas as notícias importantes desse dia.
Recordo-me que, como manchete do Jornal de Notícias, aparecia a notícia de que o gabinete do Primeiro-ministro, Professor Mota Pinto, tomaria posse no dia seguinte; que o Partido Comunista Português iria apresentar na Assembleia da República uma moção de rejeição ao governo e de que este também não iria contar com o apoio tácito do partido socialista, que, pela boca de Mário Soares, considerava o novo elenco como o “mais conservador após o 25 de Abril”.
Outra notícia de primeira página desse dia dava conta do suicídio em massa na Seita “O Templo do Povo”, em que o seu chefe e mais quatrocentos “fiéis” puseram termo à vida.
Também tive tempo para ler o artigo “Cinco portugueses falaram com Delgado na véspera do crime”, que versava um assunto recorrente da época - o assassinato do General Humberto Delgado em Fevereiro de 1965, em Espanha, pela PIDE. Esta Polícia Internacional de Defesa do Estado tinha sido criada por Oliveira Salazar, em 1945, pelo Decreto-Lei nº 35 046, de 22 de Outubro.
Também li que um homem de 28 anos “estrangulou a mulher e atirou-se do sexto andar”, pondo fim trágico ao casamento que só durou mês e meio …; que havia uma manifestação, essa tarde, em Bragança para reivindicar a unidade militar da cidade. Em causa estava a retirada da unidade militar da cidade e a população pretendia extravasar o seu desgosto vindo para as ruas, numa grande manifestação, exigindo que, de uma vez por todas, acabasse o abandono a que a região tinha sido votada …; e que os Correios fecharam deixando os problemas em aberto; e ainda uma outra dizendo que mal ia o Hospital de Barcelos.
A nível internacional, na China aumentavam as críticas a Mão Tsé-Tung.
Em Espanha, aumentava a tensão política com a morte de mais dois polícias numa ataque da ETA.
Sintetizando todas as notícias nacionais, pode dizer-se que, por essa altura, o preço do petróleo subia, a inflação trepava, a dívida externa agravava-se, o Governo decretava impostos e taxas cada vez mais altos, aumentavam os preços dos bens essenciais, por sua vez os trabalhadores exigiam maiores salários e os empresários elevavam custos às mercadorias e serviços.
Temas e circunstâncias bem actuais.
Sem comentários:
Enviar um comentário