quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Carrazeda de Ansiães, Setembro de 1979

Carrazeda de Ansiães é o meu concelho.
No primeiro dia de aulas, subia as escadas de granito gastas pelo uso, pelo tempo e pelas intempéries, para o primeiro andar do edifício onde iria dar a primeira aula do segundo ano de trabalho.
Subia pensativo e sorumbático a antiga casa da Câmara, um edifício antigo e de granito, que me remeteu, nesses instantes, para recordações de infância muito ténues e vagas mas simultaneamente muito tristes. As portas e as janelas do rés-do-chão ainda apresentavam as grades de ferro tão características das cadeias da época.
Fonte das Sereias
De facto, este edifício, que fica situado junto à Fonte das Sereias, tinha sido transformado em cadeia depois de ter sido a casa da Câmara. Os presos eram encarcerados no rés-do-chão e o tribunal funcionava no primeiro andar, para onde me encaminhava agora. Em 1958, então com 5 anos de idade, estivera aqui algumas vezes. Vinha em circunstâncias muito desfavoráveis sob o ponto de vista emocional pois visitava meu pai que estava preso e a aguardar julgamento.

A casa restaurada

E os meus pensamentos levaram-me, voando pelo tempo e pelo espaço, para a minha pequena aldeia, uma minúscula localidade, Pinhal do Douro.
Nasci aqui numa casa pequena, de granito, de dois pisos e de três frentes. Na frente principal e do outro lado da pequena rua levanta-se a bonita Igreja da aldeia,
alcandorada num alto, toda granítica, com um muro no adro também em pedra escurecida pelo tempo.
É uma aldeia tipicamente transmontana que fica situada num planalto sobranceiro a caminho do Rio do mesmo nome e pertence ao concelho de Carrazeda que por sua vez fica situado no extremo sudoeste do distrito de Bragança, fazendo fronteira com o distrito de Vila Real. Embora esteja incluído na Terra Quente Transmontana, apresenta duas realidades muito diferentes, que contrastam e se completam. Na parte Norte, aparece a zona de planalto, com características de zona fria, onde predomina o granito e se produz a batata e o cereal. Na parte Sul, mais próxima dos rios Tua e Douro, a temperatura sobe e muda também a paisagem, aqui com características de Terra Quente, onde predomina o xisto e se produz a vinha, a oliveira e a amendoeira.
Apesar de ser uma aldeia que fica situada numa região lindíssima, com paisagens quase selvagens e paradisíacas, nunca mais gostei de lá ir e muito menos de recordar alguns dos episódios que por lá vivi e presenciei até aos 7 anos de idade, excepto aqueles momentos de brincadeira e convívio com muitos dos primos que agora vivem espalhados pelo país, pela Europa, pelo Brasil, enfim, pelo Mundo.

Tristes recordações!

Tudo começou com José do Nascimento Carriço e Felismina Gordinho, por volta do ano de 1920.
Ela era filha do principal proprietário das redondezas. Tinha vinhas - que produziam vinho maduro e generoso, muitos olivais, amendoais, sobreirais e muitos terrenos onde semeavam ou plantavam o centeio, o trigo, as batatas, os produtos hortícolas, árvores de fruto e outros. Pertencia a uma família considerada rica se comparada com o resto da população em que praticamente todos eram assalariados agrícolas e com pequenas hortas onde produziam os bens mínimos e essenciais para a sua subsistência.
Ele tinha uma profissão muito em voga na época - era passador e contrabandista. Ou seja, levava candidatos a emigrantes para alguns dos países da Europa - principalmente para França. Para fazer esse trabalho tinha bons cavalos, dos melhores, muito bem tratados, arreados e artilhados. Era com eles que transportava os candidatos a emigrantes clandestinos - sobretudo aqueles que não tinham passaporte nem autorização para sair do País - por montes e vales escondidos das autoridades policiais da época. Levava e trazia também alguns artigos de contrabando bem escondidos em alforges que pendiam das albardas de cada um dos seus robustos cavalos.

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