quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O primeiro dia

Estava decidido!
Agora que as circunstâncias da vida me tinham trazido até Monção queria começar bem. Queria olhar o meu destino de frente, esquecer os momentos menos felizes e menos conseguidos do passado e começar a traçar o meu caminho. Nem que para isso tivesse que o fazer sozinho, perdendo, na prática, cerca de dois terços do vencimento que auferia no emprego anterior e … longe de todos os familiares e amigos.
Queria também abrir o meu coração no qual transbordava o meu pesar, propunha-me ser, já que o acaso me trouxe para esta actividade profissional, um exemplo para os meus alunos.
Queria ser o professor/educador que nunca tive.
Queria privilegiar a parte humana dos meus alunos sem descurar a parte científica e contribuir, essencialmente, para a sua formação global enquanto homens e cidadãos. Considerá-los-ia como seres humanos, inacabados é certo mas, com um potencial que eu procuraria desenvolver, privilegiando o seu bem-estar e felicidade, utilizando métodos educativos que tivessem em vista a promoção da sua autonomia, da sua independência, da sua liberdade criativa e do seu desenvolvimento pleno.
Por experiência própria sabia que um dos problemas mais frequentes nos jovens adolescentes é, muitas vezes, a falta de confiança em si próprios e a baixa de auto conceito. Assente nestes pressupostos e sem esquecer que o meu papel principal seria o de ensinar e o deles o de aprender, uma das minhas metas seria a utilização de reforços positivos e estratégias de promoção do valor e auto estima dos meus alunos.
Eram estes os meus propósitos no primeiro dia de contacto com a escola secundária onde iniciava a minha actividade docente, após ter sido aí colocado por concurso público, do qual tinha tomado conhecimento através da leitura do Jornal de Notícias, em 29 de Outubro de 1978.
Tinha apresentado a minha candidatura a este lugar por carta, como era costume fazer-se na época aos então chamados miniconcursos. E fi-lo por mero acaso. Encontrei, nesse dia, um amigo no Café Avenida, em Vila Flor, e no meio da conversa circunstancial que travámos ele fez-me saber que o meu curso académico dava habilitação profissional própria para a docência em alguns grupos disciplinares e habilitação suficiente para outros.
Nunca até aí tinha colocado sequer a hipótese de ser professor!
Desfolhei então o Jornal de Notícias e lá estavam na página dedicada à educação as vagas a concurso em várias escolas do Norte do País, às quais os licenciados e bacharéis dessa época se poderiam candidatar.
Entre outras vagas havia uma incompleta (17 horas) para o 11º Grupo B – Biologia/Geologia, na Escola Secundária de Monção. E foi exactamente a esta que concorri.
Passadas cerca três semanas recebi uma chamada telefónica do presidente do Conselho Directivo dessa escola a perguntar-me se ainda estava interessado nessa vaga. Respondi que em princípio sim aceitava mas que iria deslocar-me à escola e aí discutiríamos as condições e a viabilidade de aceitação. E assim foi.
Logo pela manhã do dia 22 de Novembro de 1978 apresentei-me ao presidente do Conselho Directivo, que me deu a conhecer o horário. Ao verificá-lo em pormenor, constatei que me tinha sido atribuída uma turma do 11º ano de escolaridade de Geologia e, de imediato, fiz saber que não podia aceitar o lugar. Honestamente assumi que não estava preparado sob o ponto de vista científico e pedagógico para leccionar geologia a esse nível pelo que, com muita pena, teria que prescindir do lugar que me era proposto e … regressar à minha terra.
Já me via a fazer a viagem em sentido inverso.
O presidente do Conselho Directivo, padre de formação e homem sensato, ainda procurou argumentar mas, vendo a minha inflexível determinação, procurou resolver o problema de outra forma mandando, para tal, chamar uma das professoras do 11º B (Biologia e Geologia) que leccionava geologia a outras turmas. Esta, confrontada com o problema, serenamente, depois de analisar e ponderar muito bem, apresentou uma proposta de solução que passava por ceder uma das suas turmas de Ciências da Natureza do 7º ano de escolaridade e assumir, ela própria, a turma do 11º de Geologia que me estava destinada.
De imediato, o Presidente do Conselho Directivo aceitou a proposta mas eu ainda quis saber quais os meus honorários, visto que o horário era incompleto apesar de, com estas alterações, ter passado de 17 para 20 horas. Depois de me certificar de que ganharia pelo menos o suficiente para as despesas assinei, convictamente, o meu contrato para esse ano lectivo.
Nesse mesmo dia, iniciei a minha carreira dando duas aulas de apresentação a turmas do 7º ano de escolaridade e assisti, voluntariamente, a uma das aulas leccionadas pela referida colega a quem tinha solicitado o favor de me deixar presenciar a forma e o método que ela utilizava.
Participei ainda nesse dia a uma reunião de grupo de professores de Biologia/Geologia, que estava previamente marcada e que foi presidida pela respectiva delegada que me convidou (intimou) a fazer a acta … dizendo que era o procedimento da praxe. “O último a chegar faz a acta”! Disse ela peremptoriamente.
Esta colega, delegada de grupo, pareceu-me - nesse dia – uma excelente profissional, uma professora a sério e simultaneamente uma fera que me apeteceu domar, sobretudo pelas suas qualidades e pela sua forte personalidade que, desde logo, passei a admirar.
Essa fera viria, dois anos mais tarde, a tornar-se a mulher da minha vida e, posteriormente, a mãe dos meus filhos, que criou com a dedicação e o desvelo de uma leoa. A sua inteligência aliada à sua sensatez e entrega à família, entre muitas outras qualidades, estão na base do nosso amor sincero e duradouro. Ela viria, sem dúvida, a transmitir-me a tranquilidade, o equilíbrio e a paz de espírito que há muito perseguia.

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