quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Continuação da incursão pelo passado, em Carrazeda de Ansiães

De 1945 a 1957 os factos e os acontecimentos mudaram muito no Pinhal do Douro.
A vida é cheia de mudanças em todo o lado e é assim também com toda a gente. Umas vezes para melhor e outras para pior.
A vida da família de José Carriço e Felismina Gordinho alterou-se para pior. Tendo em conta a sua idade já avançada José passou todo o negócio, através de procuração, para o nome do filho mais velho - Agripino - que passou a ter todo o poder sobre os bens da família e muito dinheiro para gastar. Tornou-se a partir daí um pequeno ditador ocupando o seu tempo a jogar, a beber e a gastar muito dinheiro com as mulheres que, seduzindo-o, lhe extorquiam todo o dinheiro que podiam. Viveu assim durante uns anos “à grande e à francesa” como dizemos quando nos referimos a alguém que esbanja dinheiro.
Era arrogante, vaidoso e muito conflituoso e... num desses conflitos foi assassinado!
O pior é que com a sua morte todos os bens da família ficaram em causa visto que ele tinha contraído muitas dívidas e não havia dinheiro que chegasse para pagar a todos os credores.
Para se viabilizar o pagamento dessas dívidas todos os bens patrimoniais da família ficaram sob a alçada do Ministério Público, que as colocou em leilão.
Meu avô Alfredo e minha avó Margarida, que tinham refeito as suas vidas na aldeia natal, resolvem arrematar alguns desses bens adjudicando-os em leilão pelo valor mais elevado.
Foi já meu pai que ajudou os meus avós a adquirir parte desses bens dos quais minha avó tinha sido deserdada. Mesmo assim, e como não tinham todo o dinheiro investido, foi necessário contrair um empréstimo o que apanhou completamente desprevenidos os restantes interessados nomeadamente os irmãos de minha avó, José e Álvaro.
Tudo isto foi considerado uma afronta e um insulto à restante família de minha avó.
E ... a guerra (re)começou.

As escadas de acesso à Igreja...

Um dia do ano de 1957, tinha eu 4 anos, meu avô foi à caça e
no regresso resolveu passar pela única taberna da aldeia onde encontrou os seus cunhados José e Álvaro. Naturalmente discutiram e beberam … beberam muito e discutiram ainda mais até porque todos eles tinham "mau vinho" e quando embriagados ficavam de mau humor e não raras foram as vezes em que se envolviam em zaragatas disparatadas. Entretanto, meu avô decidiu acabar com a discussão, pegar na espingarda e nos dois coelhos e três perdizes que havia caçado e ir para casa. Mas quando chegou à porta de entrada … não entrou! Sentou-se mesmo em frente, do outro lado da rua, nos degraus das escadas que dão acesso à Igreja, com a espingarda pousada nos joelhos e os coelhos e as perdizes no chão.
Meu pai, minha mãe e minha avó chamaram-no várias vezes. Mas, meu avô estava bêbado e como era muito teimoso não acatou os conselhos e os apelos da família e deixou-se ficar sozinho. Já a noite ía alta e com a luz do luar a iluminar as ruas praticamente desertas alguém passou, viu-o e foi dizer aos irmãos de minha avó que resolveram ir ter com ele, acompanhados por mais três acólitos, todos eles alcoolizados. Chegados ao local, rodearam-no e tentaram violentamente tirar-lhe a espingarda que se disparou e atingiu, com alguma gravidade, o seu cunhado José.
A partir desse momento foi empurrado, deitado ao chão e agredido a murro e a pontapé por todos eles. Enquanto rebolava pelo chão foi agarrado por uns e esfaqueado doze vezes pelo cunhado Álvaro. Uma dessas facadas rasgou-lhe completamente o ventre, fazendo com que os intestinos saíssem e se espalhassem pelo chão cheio de terra e de pedras de granito e de xisto. Minha mãe e minha avó gritavam horrorizadas e apanhavam e empurravam para dentro do corpo o que e como podiam.
Meu pai, depois de tentar apaziguar os ânimos e de, a todo o custo, tentar levar meu avô para o interior da casa foi também agredido à facada. Conseguindo refugiar-se em casa pegou na pequena pistola que usava para defesa pessoal e, com a certeza de que não mataria ninguém, atirou para as pernas de Álvaro, o agressor de seu sogro.
Com esse acto, violento é certo, impediu a sua morte mas ganhou uma carga de problemas que se iriam prolongar durante muitos e muitos anos.
A guerra passou para os tribunais.
Meu pai, depois de andar fugido uns tempos, entregou-se à justiça e ficou preso até ser julgado. Por sua vez, o meu avô e seus cunhados, também foram presos à medida em que iam tendo alta do hospital. Veio o julgamento e, naturalmente, ninguém ficou isento de culpas.
A escola primária
Fizeram-se muitas despesas com os advogados e com o tribunal. Ninguém ficou bem. No meio de toda essa confusão e ainda antes do julgamento minha avó morre de cancro. Logo que o processo ficou concluído os irmãos José e Álvaro regressaram para França (Lyon) e meu avô também (Paris).
Meus pais também resolveram sair do Pinhal do Douro e fomos viver para Vila Flor, em 1960, logo que concluí a primeira classe na escola primária da aldeia.

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