segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Vila Flor, 1980-1983

Durante este período desenvolvi as minhas actividades lectivas, com grande entusiasmo e interesse, na escola C+S de Vila Flor, onde tinha sido colocado em resultado do concurso de professores a nível nacional. O edifício era o mesmo onde alguns anos antes tinha sido aluno no então chamado Colégio Nossa Senhora de Sta Luzia.

Vila Flor é a minha terra adoptiva.
Fui viver e estudar para esta localidade em 1960, quando tinha apenas sete anos de idade, em consequência dos acontecimentos atrás descritos e que envolveram toda a minha família.
Gosto de muitos sítios do meu país mas de nenhum gosto tanto como desta linda e pacata vila! O ambiente, o clima, a natureza e a população ofereceram-me, naquele tempo, condições especiais de vida que fizeram com que me apaixonasse, para sempre, por Vila Flor.
E porque foi aqui que fiz a passagem para a adolescência e para o estado adulto ficou para sempre a minha terra. O meu sítio. A minha referência geográfica. Adorei viver em Vila Flor.
clique para ver imagem em grande (dia e noite)Nessa época era um local tranquilo, onde se podia brincar nos campos circundantes, jogar à bola na minha rua e no largo da Fonte Romana, com os amigos (o Artur “Alfaiate”, o Mário “Quinó”, o Abel “Guarda-rios”, o Manel “Coelho”, o João “Chupeto”, o Tó Zé “Palmeirão”, por vezes, o Tino Navarro que vinha da rua de Santa Luzia e tantos outros. Eu tinha por alcunha o "Racha-a-Lebre" ou "RAXAlebre", em alternativa era chamado de “Bernardo”, ou mesmo "Benardo". Era ao gosto de cada um ou conforme dava mais jeito. Ninguém ficava chateado com isso.
Outra das nossas ocupações desse tempo era a jogar “hóquei”, utilizando os troncos das couves fazendo de stick e papeis de cartão embrulhados em meias de nylon, fazendo de bola. Também gostávamos de apanhar pássaros ou de “ir aos ninhos” como dizia o meu instrutor nessa matéria que era o meu vizinho Quim “Chupeto”, irmão do João, ou jogar aos cowboys e aos índios, na muralha da Vila e no Arco D. Dinis, ou ainda, apanhar fruta em pomares alheios, sobretudo na Quinta da Paz.
Fazíamos tudo isto num clima de liberdade e segurança.
O meu pai a única condição que me impunha era a de chegar a casa antes do “Toque das Trindades, ou então antes de anoitecer.
Vila Flor, merece, por tudo isso, uma referência especial.
É sede do Concelho e de Comarca. Pertence ao Distrito de Bragança e à Diocese de Bragança e Miranda. Está situada bem no centro de Trás-os-Montes e Alto-Douro, entre os rios Tua e Sabor, que desaguam no Douro. À sua volta o terreno é ondeado e fica entre planaltos, que vão dos 500 a 850 m, e diversos vales e extensões de baixa altitude (cerca de 200 a 300 m).
É uma região onde o frio do Inverno transmontano fica mais temperado e o verão é caracterizado por um longo período de seca, que se estende de Maio a Outubro. Por apresentar estas características é conhecida por Terra Quente Transmontana. Os solos são eminentemente xistosos o que aliado às características climáticas permitem as típicas culturas mediterrânicas: oliveira, vinha, amendoeira e sobreiro.
A cerca de 500 Km de Lisboa, 200 do Porto e 200 de Salamanca ou Orense, em Espanha, os acessos a esta região não são melhorados como deviam o que a torna cada vez mais "distante" do litoral.
A variedade da paisagem satisfaz a ânsia de ver uma terra onde se pressente que o homem não quis ainda dominar completamente a natureza. Por isso a caça abundava nessa época (perdiz, lebre, coelho e codorniz) nas encostas e cabeços dos montes ou nas encostas do Douro, do Tua ou do Sabor.
A vida social num meio urbano como este estendia-se entre a casa, o emprego ou o café.
A azáfama da chegada e partida dos alunos e professores às escolas era o grande movimento do dia-a-dia. E a feira quinzenal era o grande dia de negócios, de encontrar os amigos de outras aldeias, de ir às repartições públicas ou ao banco. As aldeias do concelho nesse dia esvaziavam-se. Nestas, o ritmo não é semanal, mas anual como o ciclo da natureza. A amêndoa em Setembro, a vindima em Outubro, a apanha da azeitona lá para Janeiro, a ceifa do cereal em Junho e a descasca da cortiça de Junho a Agosto, ou as lavras e sementeiras do Outono ou Primavera são os grandes acontecimentos do ano a que infelizmente se vieram juntar os cíclicos incêndios de verão e a grande desertificação humana, que se acentua cada vez mais.
As festas, que se distribuíam consoante os seus santos padroeiros ao longo do ano, era uso concentrarem-se no findar das colheitas agrícolas. No período referenciado, era o regresso dos emigrantes que lhes marcava a data pois, era a altura em que se compravam terrenos, se convivia com a família ausente, se cambiava dinheiro. Era uma movimentação constante que só terminava nos primeiros dias de Setembro, quando recomeçavam os ardores dos trabalhos agrícolas.
Como em muitas outras terras também aqui o povo foi descobrindo técnicas próprias para fazer os seus pertences, fabricar as suas alfaias e utensílios, equipar a sua habitação e produzir bens para venda assim o seu artesanato é conhecido, principalmente pelas tecelagens, rendas, cestos, funilaria e latoaria.
É a terra onde não há horas! Nos cafés, que substituíram as tabernas, conversam os homens sobre as ocorrências locais.
O falar rítmico e entoado marcado pelo "tch" e pelo "ô" como na frequente interjeição "bô" é das características mais persistentes e típicas da região. E a tradicional franqueza e hospitalidade continuavam a sentir-se quando ao entrar na porta aberta de qualquer casa de aldeia se ouvia lá do fundo alguém dizer: "Entre quem é "!
A gastronomia da região é conhecida pelas alheiras, chouriço doce, cabrito assado, pão centeio e folares, queijo e o famoso vinho da região.
Vila Flor entrou para a História com o rei D. Dinis, que ao passar pela pequena povoação chamada Póvoa de Além-Sabor quando se dirigia para a raia mirandesa a receber a noiva (Isabel de Aragão), encantado com a sua formosura a designou Vila Flor, deu-lhe foral a 24 de Maio de 1286 e fez construir um castelo e muralhas com cinco portas (a 1ª tinha o nome do monarca e é a única relíquia que resta da antiga muralha). D. Manuel outorgou-lhe foral novo a 24 de Maio de 1512. Com a expulsão dos judeus, no reinado do Venturoso, Vila Flor deixou de ser a Vila importante e rica, das mais prósperas em toda a província transmontana, pela sua indústria e actividade comercial.

Sem comentários:

Enviar um comentário