domingo, 2 de janeiro de 2011

Vila Flor - (continuação)

A primavera do ano de 1992 tinha entrado há poucos dias mas já estava no seu esplendor.
Enquanto olhava através da larga janela para o horizonte e apreciava a encosta verdejante polvilhada de oliveiras, amendoeiras e videiras, ouvia a conversa entre os três alunos e trocava olhares cúmplices com a auxiliar de acção educativa que prestava serviço na Biblioteca.
Mal os alunos saíram, a pachorrenta funcionária, mostrando-se indignada, virou-se para mim e disse:
- Esse tal professor, de quem os alunos falavam, está metido em sarilhos! Não sei o que veio fazer hoje à escola mas parece que, enquanto decorre o processo disciplinar que lhe foi instaurado, foi suspenso preventivamente pelo prazo de noventa dias. É lamentável! Também o que é que ele queria? Muita sorte tem tido ele pois ainda nenhum encarregado de educação o importunou pelos comportamentos tão graves que, segundo dizem, tem nas aulas! É absolutamente intolerável … com alunas menores! Já em Carrazeda dizem que foi a mesma coisa! Contaram-me que foi perseguido, num dia de feira, pelo pai de uma aluna que, de caçadeira na mão, o procurou por todo o lado. O que lhe valeu foi ter fugido para Vila Flor!
Sabe que ele, desta vez, foi acusado de práticas explícitas de assédio sexual e incontinência verbal?! Isto é mesmo insustentável e inadmissível, ainda por cima num educador!
E continuou durante largo tempo a desabafar a sua revolta e a mostrar a sua indignação.
Eu ouvia, em silêncio.
Sabia que, de facto, esse colega (!?) fora acusado, entre outras coisas, de ter apalpado os seios, os genitais e outras partes do corpo a algumas alunas turma E, do 7º ano,  em plena sala de aula; de ter utilizado termos obscenos durante as aulas, tais como: “Caralho”, “Foda-se”, “Merda”, “Tesão” e “Paneleiro”; ter dito a um aluno do 8º ano que “não tinha capacidade para ter relações com duas alunas”; interromper as aulas para falar de sexo; e praticar agressões físicas, batendo no rabo, magoando no pescoço e nos punhos.
Sabia também que tal procedimento, para além de ser condenável a todos os títulos, constituía infracção disciplinar grave, que correspondia (nessa altura) a uma pena de aposentação compulsiva. Sabia também que, num processo disciplinar movido a esse mesmo professor, uns anos antes, nesta mesma escola, lhe fora aplicada a pena de repreensão verbal, por ter utilizado na sala de aula termos obscenos e tratar de assuntos que pouco, ou nada, se relacionavam com os conteúdos programáticos da sua disciplina. Esta pena não foi, de forma deliberada, ou por esquecimento (quem sabe?), registada no seu processo individual, pelo Conselho Directivo da época.
Mais tarde este "esquecimento" viria a ter um peso determinante na pena aplicada neste segundo processo, pois o facto de nada constar no seu registo disciplinar, bem como o facto de ter mais de dez anos de serviço com bom comportamento (!) e a confissão voluntária de algumas infracções de que foi acusado, foram consideradas como circunstâncias atenuantes.
Antes da conclusão do processo e da aplicação desta pena e, porque o Director Regional, atendendo às pressões de que o Conselho Directivo estava a ser sujeito por parte dos pais e encarregados de educação e, ainda, por considerar que o referido professor continuava a adoptar um comportamento grave para com as suas alunas menores, consubstanciado em práticas explícitas de assédio sexual e incontinência verbal, totalmente inadmissíveis num educador, considerou que a sua presença se revelava inconveniente para o serviço e propôs a sua suspensão por noventa dias.

Posteriormente soube-se que a pena final aplicada a esse professor foi a suspensão de todas as actividades docentes e a consequente perda dos respectivos honorários, durante dois anos.
Entretanto, e passados alguns anos, já muito tempo depois do cumprimento total da pena aplicada, este professor viu a sua pena ser anulada pelo supremo (?) por não ter sido cumprido um determinado requisito processual, aquando da abertura do processo de inquérito.
Esse tribunal (?), alegando vício processual, ou vício de forma, anulou a decisão inicial.

O facto da justiça ter ilibado a pena aplicada a este professor não significou que ele, assim de repente, tenha passado a ser uma vítima inocente. Os factos existiram. As provas também. Os fundamentos da decisão inicial não foram alterados visto que neste recurso não se discutiram os factos e as respectivas provas do conteúdo da decisão inicial. No entanto a sentença foi anulada!
Que justiça é esta? Que País é este?
A nossa justiça tem que ser urgentemente reformulada, pois o descrédito perante o povo é total. Não é preciso ter formação jurídica, nem ser catedrático, para se dar conta de como muitos figurões, ou Chico-espertos que conseguem pagar a bons advogados, são acusados e condenados de determinados crimes e após algumas sessões … adiamentos ou recursos ficaram ilibados. Temo que, por já ninguém acreditar neste sistema de justiça, comecem a surgir as milícias populares a fazer justiça à moda de Fafe.
Quanto a mim resta-me sorrir de cada vez que leio nos jornais notícias que dão conta de mais um julgamento que afinal já não o é!

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