quinta-feira, 10 de março de 2011

A problemática do comportamento e educação sexual dos jovens com deficiência (continuação)

Ao acompanhar, praticamente desde 1991, a inclusão de jovens com deficiência no sistema regular de ensino fui, muitas vezes, confrontado com diversos mitos e falsas crenças acerca da sexualidade e comprovei a grande falta de informação de toda a comunidade educativa no que se refere a esta questão, sobretudo quando falamos de indivíduos com deficiência mental.
De facto, o jovem com deficiência é, por muitos, considerado sexualmente como uma eterna criança ou sentido como tendo uma enorme motivação sexual -“hiper-sexual”. Para outros é visto como um ser assexuado, sem direito à sua plena realização afectivo-sexual pelo facto de nem todos conseguirem a sua autonomia e independência social e económica.
Por tudo isto fui, sempre que as oportunidades foram surgindo, tentado a questionar e a por em causa esta forma de pensar e de agir assente nestes "valores" instituídos na nossa sociedade.
A sexualidade tem que ser encarada como fazendo parte integrante do indivíduo de qualquer indivíduo - e que se desenvolve ao longo da vida em diferentes etapas, das quais a construção da identidade e o desenvolvimento da autonomia, constituem desafios que se colocam a todos desde os jovens, aos pais e aos técnicos. Daí a importância da intervenção dos professores, psicólogos e médicos junto dos pais de forma a reflectirem todos sobre esses tabus e promoverem o acesso à informação.
Prevalecem, no entanto, questões de difícil resolução para todos nós, mesmo para aqueles que teoricamente deveriam estar melhor preparados.
Fui questionado, em 1996, directamente pela mãe de um dos alunos que frequentavam o Projecto o Direito à Diferença sobre que atitude deveria tomar quando o filho de 17 anos, portador de deficiência mental severa, fazia sexo, em público, com as galinhas lá de casa. Dizia que já tinha feito várias experiências e que inclusivamente já tinha exposto o problema ao médico psiquiatra do filho que, por sua vez, a aconselhou a levar o filho a uma prostituta, salvaguardando todos os cuidados a ter numa situação extrema como essa.
Eu, mantive sempre algumas dúvidas relativamente à forma de ajudar a resolver este problema. Senti-me inseguro e incompetente para ajudar os pais a encontrarem a melhor resposta para o seu filho; quando o próprio psiquiatra especialista nesta área o não conseguia fazer!
Arrisquei-me, no entanto, a aconselhar o pai a ensiná-lo no acto da masturbação pois esta é uma das actividades que o jovem poderia aprender e controlar. Provavelmente, atingindo o orgasmo desta forma e sempre que necessitasse, ele ficaria mais tranquilo e iria provavelmente deixar as condutas sexuais inadequadas.
Outro acontecimento, que me foi relatado e me deixou, na altura, surpreendido e estupefacto, dava conta da forma como uma auxiliar de acção educativa que trabalhava numa Sala de Apoio Permanente (SAP) resolveu ajudar um aluno com deficiência mental associada a deficiência motora.
Esse aluno, de 18 anos, ficava frequentemente muito inquieto, muito nervoso … movimentando a cabeça para todos os lados, babando-se descontroladamente, com as mãos e os braços batendo nos braços da cadeira de rodas, encolhendo e esticando todo o corpo. A funcionária que o acompanhava mais de perto descobriu que tal acontecia quando ele se excitava e tinha erecções persistentes. Estas situações, que eram frequentes, deixavam-na intrigada, preocupada e sem saber o que devia fazer. Então, num dia em que se encontrava sozinha com o aluno, levou-o para a casa de banho que ficava mesmo ao lado da sala, calçou umas luvas e … resolveu masturbá-lo. Fê-lo por instinto, por “piedade”, por necessidade de fazer bem e/ou para o tranquilizar.
Mas … no final, colocou a ela própria um conjunto de problemas com os quais não sabia lidar. Teria feito bem ou mal ao aluno? E a ela própria? Era casada e... não tinha a certeza se foi infiel ao marido praticando este acto. Deveria contar-lhe? E para o aluno seria eticamente correcto? Deveria continuar a fazê-lo?
Ao ser confrontado com esta realidade, resumida nestes dois exemplos, tornou-se para mim imperativo saber como vivem então os deficientes mentais a sua sexualidade. Sabia muito pouco sobre esta problemática a não ser o que era do senso comum.
Parecia-me perfeitamente aceitável que o desenvolvimento psico-sexual dos deficientes mentais e, consequentemente, a sua vivência da sexualidade, deveria ser diferente, no sentido em que é próprio de um indivíduo com um funcionamento intelectual inferior à média.
Por outro lado, compreendia perfeitamente que todo o indivíduo tem necessidade de exprimir os seus sentimentos, fazendo-o de uma forma muito pessoal e única. Assim sendo, as suas interacções, em casa, na escola e na comunidade, determinam experiências que, quanto mais ricas, mais desenvolvem o seu equilíbrio interno, harmonizando os seus impulsos sexuais, uma vez que, quando bem orientado, o indivíduo encara a sexualidade com normalidade e segurança, e, se bem encaminhada, ela vai proporcionar-lhe melhores interacções sociais e, consequentemente, melhorar a sua auto-estima.
No caso do adolescente com deficiência mental, tal como no caso dos demais adolescentes, a sexualidade é uma função natural que permite a procura desse "equilíbrio interno", nivelado pela obtenção de prazer psíquico (afectivo) e físico (erótico).
Contudo, é importante reconhecer-se que todos os indivíduos com deficiência mental são diferentes e que, de acordo com o grau de severidade dessa diferença, são também diferentes os graus de envolvimento emocional e de interacção social. Isto não impede que muitos deles sejam capazes de desenvolver competências que lhes permitam aprender a lidar com a sexualidade.
O importante é que, desde muito cedo, estes adolescentes tenham a oportunidade de adquirir atitudes saudáveis, quer em relação ao seu corpo, quer em relação à sua funcionalidade, que lhes permitam inserir-se na sociedade - especialmente os portadores de deficiência mental ligeira e/ou moderada -, com todos os direitos que lhes são inerentes, mas, também, sendo capazes de assumir os riscos e as responsabilidades que a vida em sociedade exige.
Para que tal seja possível, é preciso que se compreenda que esta temática (vida sexual do adolescente com deficiência mental) é bastante delicada e enferma, como referi, de muitos preconceitos, pelo que as estratégias devem ajudar estes jovens a tratar a sua sexualidade com normalidade e segurança, a fim de diminuir os riscos que eventualmente eles possam correr.
Evitar falar sobre o tema, em casa e/ou na escola, não só acentua os preconceitos, como também negligencia a informação. E, nestes casos, como talvez em todos os outros, a informação, transmitida de uma forma clara e precisa, para além de facilitar o desfazer de mitos, deve ajudar os adolescentes a diferenciarem entre comportamentos ajustados e desajustados e a desenvolverem um sentido de responsabilidade, quer em relação a si mesmos, quer em relação às suas interacções com os outros.

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