terça-feira, 15 de março de 2011

À procura do saber

No início da década de 90 optei pela educação especial em detrimento do meu grupo disciplinar, para o qual tinha habilitação académica e profissional.
Ao começar a envolver-me e a entusiasmar-me com a educação de jovens com necessidades educativas especiais e portadores de deficiência senti grandes dúvidas e inseguranças sobretudo motivadas pela minha falta de preparação teórica e prática nesta área o que influenciou e, em grande medida, determinou a escolha do Curso de Estudos Superiores Especializados em Educação Especial e, posteriormente, o Mestrado em Psicologia do Desenvolvimento e da Educação da Criança.
Quem fica parado vira poste” diz-se no Brasil. E sabe-se o que os cães fazem nos postes!
Esta advertência vale para muitas dimensões da vida, nomeadamente aquelas que se prendem com a obrigação de evoluirmos e aprimorarmos os conhecimentos, atitudes e condutas. Porém, ela é particularmente válida para a docência e, sobretudo, a docência na educação especial, por ser uma actividade balizada pelo ideal da superação, impossível de concretizar em plenitude sem a permanente companhia da inovação.
Por outro lado a ideia de, na tese de mestrado, tratar a temática da atitude e opiniões dos professores sobre a integração de alunos com deficiência mental no sistema regular de ensino, não nasceu por acaso mas sim do que me pareceu ser uma convergência de factores de ordem pessoal e profissional presentes nessa época.
A ideia foi germinando à medida que ia sendo confrontado com atitudes bizarras de alguns colegas, em diversos contextos, das quais deixo aqui apenas três exemplos dos muitos que me impressionaram e ilustram bem a razão dessa motivação para esta área de investigação.
Um professor de Inglês, colocado (de passagem) na Escola Secundária de Vila Flor, numa reunião de Conselho de turma em que discutíamos a aplicação das medidas educativas especiais para um aluno com deficiência, nomeadamente as mais integradoras e menos restritivas, quando confrontado directamente com a obrigatoriedade de ter que fazer as adaptações curriculares na sua disciplina, reagiu violentamente fazendo o seguinte comentário para espanto de todos: “… ao entrar neste bloco de aulas, mesmo na entrada, vi um cão e pensei para mim que bastaria matriculá-lo, dizer que tinha uma deficiência e pronto … cá estaríamos nós com a obrigação de fazer esta merda das adaptações, a escolher o tipo de prova ou instrumento de avaliação adequado à sua deficiência, a definir a sua periodicidade e a forma ou meio de expressão etc. etc…”
O segundo exemplo diz respeito à forma de agir e pensar duma professora do 1º ciclo, colocada numa escola de ensino básico de 2º e 3º ciclos e que introduziu no currículo alternativo de um aluno com síndroma do espectro de autismo uma actividade a que chamou Culinária e a desenvolveu num espaço físico a que chamou pomposamente de Cozinha Pedagógica. Esta ficava situada num pavilhão pré-fabricado e semi-abandonado (onde coabitavam ratos, ratazanas e outros animais e respectivos excrementos que se acumulavam durante o período de férias). Justificou esta actividade dizendo que assim permitiria ao aluno (que não lia, não escrevia, nem falava) o desenvolvimento de competências funcionais de matemática e português, utilizando a estratégia de pesar a massa, o arroz, o açúcar e os diversos ingredientes necessários à confecção de bolos, que depois seriam vendidos para angariação de fundos para a viabilização económica desta actividade.
Uma outra professora do 1º ciclo, também a trabalhar na mesma escola, que defendia como intervenção pedagógica correcta o deitar pimenta na língua, "até doer e fazer chorar", a uma aluna portadora de deficiência mental grave, que tinha por hábito ir aos caixotes do lixo retirar restos de comida.
Decorrente deste conjunto de factores, fui levado à realização deste estudo que teve ainda como motivações, por um lado, o meu percurso profissional como professor do 3º ciclo do ensino básico e ligado há vários anos, em regime de acumulação, à formação inicial de professores do 1º e 2º ciclos, e por outro, porque se enquadrava perfeitamente no tipo de trabalho que desenvolvia nessa época – implementação e coordenação, na Escola Básica 2/3 de Valadares, do Projecto “O Direito à Diferença”. Projecto este que decorreu, como já referi, numa perspectiva de integração social, promoção da autonomia e desenvolvimento de competências pré-profissionais para alunos portadores de deficiência mental moderada/grave.
Foi, na verdade, o conhecimento que tinha deste meio pelo envolvimento que ao longo de mais de duas décadas que já tinha nessa época estabelecido com os espaços físicos, com o ambiente, com as pessoas e sobretudo com as crianças e jovens portadores de deficiência que esteve na origem dessa escolha.
Com esse trabalho pretendi dar um pequeno contributo para o esclarecimento da atitude dos professores de uma determinada área geográfica, face à integração de alunos portadores de deficiência mental no sistema regular de ensino.
Ao limitar o estudo à atitude dos professores em relação à integração de alunos portadores de deficiência mental, não pretendi ignorar a existência de outros factores com alguma importância nomeadamente o grau da deficiência, que reputei e reputo ainda hoje de grande importância. Fiz essa opção pela dificuldade metodológica inultrapassável, para mim, de delimitar o campo de estudo em função desse factor.

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